Não por acaso, os personagens Léo (Gabriel Braga Nunes) e Norma (Gloria Pires) já desbancaram os tépidos mocinhos Pedro (Eriberto Leão) e Marina (Paola Oliveira) e vêm ganhando cada vez mais ascensão em cena. Fora dela, viraram o assunto principal nas rodas de conversa sobre a novela. Mas por que essa atração pelo o que é cruel?
- O mal é muito atraente, em ficção. Acho que nós exorcizamos nosso lado mau vendo os vilões agirem - analisa Gilberto Braga.
O público, então, pode delirar. Além da dupla principal, são sete em cena: Cortez (Herson Capri), Paula (Tainá Müller), Eunice (Deborah Evelyn), Tia Neném (Ana Lucia Torre) e Vinícius (Thiago Martins). Fora os que já morreram: Araci (Cristiana Oliveira), Henrique (Ricardo Pereira) e Irene (Fernanda Paes Leme).
Para Gabriel Braga Nunes, as contradições e os conflitos internos dos vilões os tornam mais cativantes. Já o herói não impressiona mais, pelo caráter previsível:
- O bem é reto, enquanto o mal é sinuoso.
Curvas, malabarismos e muitos desvios de conduta estão presentes na trajetória da dupla antagonista (ou seria protagonista?). Léo já fraudou os negócios do pai, provocou o acidente que matou a cunhada, assassinou a prima, roubou a mulher do irmão e traiu o chefe. Sem falar no golpe em Norma, que colocou a então enfermeira atrás das grades e detonou todo o roteiro.
Norma, por sua vez, começou a novela como uma mulher inocente e sem grandes motivações. Uma mera acompanhante de idosos, apagada e boba. Mas, depois da rasteira que levou de "Armando" - nome inventado por Léo para enganá-la -, se transformou.
Na cadeia, teve que matar para não ser morta. Saiu cheia de sede de vingança e, passo a passo, conseguiu chegar onde queria: frente a frente com seu inimigo. Mas, preparem-se telespectadores, pois o duelo de titãs mal começou. Exibido na terça-feira passada, dia 28, o capítulo 140 marcou o início do clímax, do terceiro ato de "Insensato coração".
- Ao contrário da narrativa tradicional, a derrota de Léo não acontece nos últimos capítulos e, sim, faltando dois meses para o final. Ele vai sofrer muito nas mãos de Norma - explica Linhares.
Sob o comando de Norma, Léo come restos de comida, perde os dentes e é tratado como um escravo.
O vilão, no entanto, não se entrega: percebe que a viúva de Teodoro (Tarcísio Meira) ainda tem uma queda por ele e se aproveita da situação. Os dois, mais uma vez, acabam na cama.
O comportamento do filho mais velho de Raul (Antonio Fagundes) pode até impressionar. Todavia, o modus operandi de Léo deixa claro que ele é um psicopata.
- Em sua cabeça, ele não acha que pratica o mal. O que os psicopatas têm é um transtorno de personalidade. Eles não têm sofrimento mental nem pelo outro nem por si. Não têm constrangimento, remorso ou culpa. E, sim, ausência de empatia, que é você se colocar no lugar do outro - descreve a doutora Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do livro "Mentes perigosas".
Ana pontua que nos psicopatas a função da inteligência é perfeita. O que falta neles é o emocional. Essa ausência de sentimentos faz com que considerem pessoas como instrumentos de uso, que estão ali para satisfazer sua sede de poder, status ou diversão. Na Europa, são apelidados "camaleões sociais", pela facilidade com que se transformam no que o outro quiser. - Eles se dão uma importância e uma inteligência que não é real. E sentem raiva perante a frustração, mas não medo. A melhor recomendação é manter distância - alerta Ana Beatriz.
A psiquiatra também esclarece o interesse que os vilões exercem no público. De acordo com Ana Beatriz, o mal se tornou sinônimo de poder, em uma sociedade que valoriza as marcas, o consumo e o status.
Argumento que contradiz o pensamento de Mauro Alencar, membro da Academia de Artes e Ciências da Televisão de Nova York. Alencar não acredita que o vilão faça exatamente sucesso e aposta no carisma dos heróis e personagens cômicos. Segundo ele, o vilão deixa marcas na audiência e nos personagens ao redor por diferentes razões, como a artística ou dramatúrgica e a psicológica:
- Pela visão artística, é ele, o vilão, quem obrigará ou levará o herói a movimentar-se. Sob o psíquico, é o público quem irá exorcizar seu lado mais obscuro ao projetar-se nas artimanhas do vilão.
E como a audiência reage ao comportamento de Norma? É vilã, heroína, justiceira? Ou apenas uma mulher amargurada e frustrada por ter sido enganada pelo homem que amou? O mistério da personagem virou tema de debate nas redes sociais. Na maior página da novela no Orkut - com mais de 34 mil membros -, as opiniões se dividem: enquanto alguns acham que ela está indo longe demais, outros a defendem.
Em enquete realizada pelo site da Revista da TV, 63,64% dos votantes apostam no mau- caratismo da personagem. Característica que Ricardo Linhares discorda. Para ele, Norma não é maniqueísta. E, sim, um ser complexo e contraditório que, após uma temporada atrás das grades, se transformou numa mulher dura. Mas não num monstro, como seu algoz.
- Ela sofre, sente-se culpada pelas mortes que provocou, entra em crise. Destruir Léo se tornou uma obsessão. A vingança e as humilhações que impõe a ele revelam uma faceta sinistra e obscura da sua personalidade - pontua Linhares.
Gloria Pires também tenta justificar o comportamento dúbio de Norma. Embora a ex-enfermeira siga firme no propósito de que "a vingança é um prato que se come frio", a atriz ressalta que suas questões morais a creditam uma certa dignidade.
- Ela é o sonho de consumo de todo ser humano. Planeja a vingança, se reestrutura e consegue seguir aquele plano. Não é o ideal do mundo, mas ela teve um choque de realidade - avalia a atriz, famosa pelas maldades de Maria de Fátima, em "Vale tudo".
Apesar de uma vontade até perdoável de fazer justiça com as próprias mãos, os planos de Norma não a impediram de matar - direta ou indiretamente. E o número de mortes em "Insensato coração" - em cenas que remetem a filmes de suspense, com produção cinematográfica e trilha sonora sombria - é outra prova de que a maldade está cada vez mais presente na trama. Desde o início da novela, em janeiro deste ano, já se foram quase dez personagens.
Mas, para Gilberto Braga, o número não indica que há excesso de violência:
- Não há mais maus do que bons.
Mauro Alencar compara "Insensato coração" à dramaturgia norte-americana de Tennessee Williams e Eugene O'Neill e também à brasileira de Nelson Rodrigues e Jorge Andrade.
- Desde sua abertura metafórica, é uma novela que trata do colapso familiar, focando em lares disfuncionais e personagens que carregam culpas e afetos reprimidos. Também não considero Norma uma vilã e, sim, vítima de seu insensato coração, uma criatura corrompida pelo meio social - define.
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