por Daniel Freitas
A história de Gloria Pires se confunde com a história da própria televisão brasileira. Ela começou a trabalhar ainda menina, já demonstrando a grande atriz que o Brasil iria ganhar. No ano passado, a intérprete de personagens inesquecíveis, como a Maria de Fátima de “Vale Tudo”, lançou um livro comemorativo aos seus 40 anos de carreira. Este ano, já se fala em documentário a ser exibido no cinema. Enfim, muito do que se produziu em teledramaturgia nas últimas décadas tem a marca de Glorinha, considerada uma atriz de televisão em sua mais pura essência.
Após a primeira aparição na telinha, em “A Pequena Órfã”, da TV Excelsior, com apenas cinco anos de idade, Gloria Pires estreou na Rede Globo na novela “Selva de Pedra”, de Janete Clair, em 1972. Em seguida, vieram papéis marcantes em “Dancin’ Days”, “Cabocla”, “Água Viva” e “Louco Amor”. Em 1988, em “Vale Tudo”, o público vibrou com as maldades de Maria de Fátima, num misto de amor e ódio lembrado até hoje. Num tempo pós-ditadura e de retomada da democracia, a personagem que queria subir na vida a qualquer custo, questionava a vida medíocre da mãe e desconhecia sentimentos como amor e respeito, o que chocou o Brasil.
Ninguém ficou imune às atrocidades de Maria de Fátima ao lado de seu comparsa César (Carlos Alberto Riccelli) numa novela que retratou a impunidade, a corrupção e a injustiça reinantes no país. Encerrada no mês de julho no Canal Viva, “Vale Tudo” até hoje prende o telespectador ao escancarar as mazelas do povo brasileiro. E Maria de Fátima foi um dos fios condutores indispensáveis ao sucesso da trama. Gloria Pires considera a personagem um grande presente de Gilberto Braga, que tem a atriz como uma espécie de talismã em suas novelas – ela também marcou presença como a Stella de “O Dono do Mundo” e a Lúcia de “Paraíso Tropical”, ambas do autor. E como não poderia deixar de ser, bateu ponto como a Norma, de“Insensato Coração”.
Igualmente memorável foi a atuação de Glorinha em “Mulheres de Areia”, como as gêmeas Ruth e Raquel. Com o remake da novela de Ivani Ribeiro, o público definitivamente enamorou-se pela atriz, tamanha a sua entrega nos papéis. A interpretação foi digna de um Oscar e o folhetim, exibido às 18h, fez disparar a audiência do horário – em alguns capítulos, superou a do Jornal Nacional. Na época de pré-produção, Gloria Pires estava grávida, mas os diretores (apesar de até terem cogitado outros nomes, como Malu Mader) resolveram esperar o parto e o fim da licença maternidade, pois as personagens tinham que ser dela.
E não erraram. O sucesso foi tão grande que “Mulheres de Areia” novamente deu o que falar (e fez subir os índices de audiência vespertina) ao ser reprisada no “Vale a Pena Ver de Novo”, entre 1996 e 1997, tanto que ganhou uma segunda reprise, como parte das comemorações dos 60 anos da teledramaturgia no Brasil. Tudo indica que o público não irá reclamar.
Em “Mulheres de Areia”, Gloria Pires viveu com maestria personagens que já haviam sido interpretados por Eva Wilma na primeira versão da novela. O resultado, como se sabe, foi primoroso. O feito não se repetiu em “Anjo Mau”, reescrita por Maria Adelaide Amaral em 1997/1998, também para o horário das seis. A babá Nice de Glorinha não teve o mesmo impacto que a personagem da versão original, vivida por Suzana Vieira em 1976. As mudanças na trama não ajudaram muito o desempenho de Gloria Pires e é de Suzana Vieira que o público em geral irá lembrar ao se falar de Nice.
Em meio a outros bons momentos na telinha, como na minissérie “Memorial de Maria Moura”, romance de Rachel de Queiroz adaptado para a televisão em 1994, Gloria Pires coleciona outros nem tão memoráveis assim. Em “Desejos de Mulher”, de Euclydes Marinho, nem a parceria com Regina Duarte, num apelo saudosista à dobradinha mãe e filha de “Vale Tudo”, conseguiu salvar a novela do fiasco. A Lavínia/Inês de “Suave Veneno” também poderia ser condenada ao limbo que ninguém ia sentir muita falta. Aliás, a novela toda parece ter sido um grande equívoco na carreira do autor Aguinaldo Silva. Melhor esquecer.
Em “Mico Preto” (1990), a atriz não demonstrou muita intimidade com papéis de humor e a sua Sarita não convenceu. E como a dúbia Rafaela de “O Rei do Gado” (1996), verificou-se um caso clássico de personagem que não estava à altura da estrela, apesar da desculpa do autor Benedito Rui Barbosa de que só alguém com o enorme talento de Glória Pires poderia interpretá-la. Não colou.
Os percalços existiram, mas a teledramaturgia brasileira não vive sem Gloria Pires e o público não abre mão dela. Recentemente, ela esteve no ar em “Insensato Coração”, num papel ambíguo – ora retratada como vilã, ora como mocinha enganada. Quem acompanhou a novela sabe que ela não cometeu as atrocidades contra Léo (Gabriel Braga Nunes), esse sim um grande vilão, por ser malvada, mas por estar querendo se vingar. Assim, quem esperou que Glorinha interpretasse uma vilã cruel como a Maria de Fátima de “Vale Tudo” ou como a megera Raquel, de “Mulheres de Areia”, percebeu que Norma apenas bateu na trave. Não teve os requisitos de uma autêntica vilã.
Aos 48 anos de vida e 40 de carreira, Gloria Pires segue encantando a todos, com papéis que fazem dela uma atriz ímpar. São personagens que o público não consegue imaginar outra pessoa interpretando. Em sua comunidade oficial do Orkut, há correntes que defendem: “Queremos uma Helena para Gloria Pires!”, num pedido ao autor Manoel Carlos para que escreva uma protagonista especialmente para ela em suas próximas novelas. Isso pode estar mesmo faltando e se Maneco resolver atender ao pedido, será mais uma oportunidade de o público conferir mais uma atuação dessa verdadeira “glória” da televisão brasileira. Uma pérola!
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